Morrer é condição para que nasça o novo – Machado de Assis em Quincas Borba.

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O que seria inusitado é alguém se perguntar:  o que aconteceria se de repente ninguém mais morresse? Ao contrário das preces pedindo vida eterna onde nunca envelheceríamos e esse mundo que nos cerca, seria pra sempre nosso, As Intermitências da Morte traz um cenário bem menos animador.

Cansada de ser detestada pela humanidade, a ossuda resolve suspender suas atividades. De repente, num certo país fabuloso, as pessoas simplesmente param de morrer. E o que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico logo se revela um grave problema.
Idosos e doentes agonizam em seus leitos sem poder “passar desta para melhor”. Os empresários do serviço funerário se vêem “brutalmente desprovidos da sua matéria-prima”. Hospitais e asilos geriátricos enfrentam uma superlotação crônica, que não pára de aumentar. O negócio das companhias de seguros entra em crise. O primeiro-ministro não sabe o que fazer, enquanto o cardeal se desconsola, porque “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”.
Um por um, ficam expostos os vínculos que ligam o Estado, as religiões e o cotidiano à mortalidade comum de todos os cidadãos. Mas, na sua intermitência, a morte pode a qualquer momento retomar os afazeres de sempre. Então, o que vai ser da nação já habituada ao caos da vida eterna?
O livro  nos mostra um único país no mundo onde, ao primeiro minuto que inicia um novo ano, as pessoas param de morrer. Acidentes graves, infartos do miocárdio, brigas violentas – nada disso importa. Desde aquele primeiro de janeiro, não se morre mais nos limites do país. Simples assim, complexo assim.

O que começa como felicidade geral (teriam os céus atendido as preces do povo?) logo se mostra uma realidade desesperadora. Sem a morte, mesmo quem deveria morrer continua em estado de vida suspensa. De uma velhice avançada a tiros múltiplos de bala: ninguém morre. A vida não se esvai, mas também não volta, e quem ficara por um fio de morrer continua assim indefinidamente. Em pouco tempo os hospitais e asilos ficam lotados, e o governo precisa redefinir o que serão de planos de aposentadoria e seguros de vida.

A própria morte é personagem (e se não dizemos que é a morte “em pessoa” é porque ela se sustenta apenas com o esqueleto – como todas aquelas representações que já vimos em pinturas e livros). E seu nome vem grafado assim mesmo, em minúsculas: a morte. A morte que envia cartas roxas e – com sua maneira peculiar de enxergar os vivos – conversa conosco.

“Não há nada no mundo mais nu que um esqueleto” –  José Saramago

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O Livro assemelha-se a uma fábula  de 200 páginas  sobre a importância de morrer e como esse simples fato, altera a vida de todos que vivem. O livro tem uma estrutura cíclica, que surge como alegoria ao próprio ciclo da vida: tudo começa, cresce e morre..

Ele também nos confunde neste livro com seu jeito de escrever ignorando pontuações. Se você não é um leitor mais atento, mais focado em sua concentração, deixará passar muitos detalhes importantes do livro.

Ao longo do livro, Saramago brilhantemente inverte os papeis entre os vivos e a morte. Quando o caos se instala, o povo fica cada vez menos humano, chegando a fazer o papel de carrasco: surgem máfias dedicadas exclusivamente a levar os moribundos para atravessar a fronteira do país e poderem dar seu último suspiro em terras onde ainda é possível morrer. Enquanto isso, a morte vai, lenta e progressivamente, se tornando mais e mais humanizada. A epígrafe do livro – como sempre nos livros do Saramago – é perfeita síntese dessa visão:

Saberemos cada vez menos o que é um ser humano“.

Outra característica que chama atenção é a mudança de foco da trama. Ao invés de ficar estacionada. o pontapé inicial muda de figura, e de um evento geral passa-se a focar em personagens individuais. Em as Intermitências da Morte, a relação de destaque é entre a morte e um violinista que lhe desafia a lógica.

Só mesmo um grande romancista para desnudar ainda mais a terrível figura. Apesar da fatalidade, a morte também tem seus caprichos.

Sobre o Autor: 

download (2)Filho e neto de camponeses, José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922. Nosso autor deveria ter sido registrado ao nascer como Jose de Souza, porém o escrivão colocou por conta própria Saramago em seu nome, já que esta era a alcunha como a  família seu pai era conhecida. Os seus pais emigraram para Lisboa quando ele não havia ainda completado dois anos. A maior parte da sua vida decorreu, portanto, na capital.

O seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo exercido depois diversas profissões: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista.

Publicou o seu primeiro livro, um romance,  Terra do Pecado, em 1947, tendo estado depois largo tempo sem publicar (até 1966). Trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direção literária e de produção. Colaborou como crítico literário na revista Seara Nova.

Fez parte da redação do jornal Diário de Lisboa, onde foi comentador político, tendo também coordenado, durante cerca de um ano, o suplemento cultural daquele jornal. Pertenceu à primeira Direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores.

Foi diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor.

Casou com Pilar del Río em 1988 e em Fevereiro de 1993 decidiu repartir o seu tempo entre a sua residência habitual em Lisboa e a ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias (Espanha).

José Saramago faleceu a 18 de Junho de 2010 aos 87 anos na Espanha.

Saramago foi o primeiro escritor de língua portuguesa  a receber o Prêmio Nobel da Literatura em 1998

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